Quando o tema é voltado para redes sociais, parece que se torna mais complexo
Nunca se foi falado tanto sobre liberdade de expressão no Brasil. Desde 2018, discursos de ódio que incitam violência, preconceito contra grupos ou indivíduos específicos têm tomado conta das redes sociais dos brasileiros, o que demonstra uma confusão em relação a esse direito. Além disso, a prisão do ex-deputado federal Roberto Jefferson causada por suas ofensas à ministra Carmen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, trouxe mais uma vez esse assunto à tona. Mas, afinal, existe algum limite dessa liberdade? O que a Constituição diz? Antes de aclarar isso, é interessante entender o passado desse direito nas Constituições Anteriores.
Histórico
Leonardo Avelino Duarte, Mestre e Doutor em Direito Constitucional formado pela FADISP(Faculdade Autônoma de Direito) de São Paulo, professor de Direito na UFMS e na Unigran, diz que o maior período de censura foi durante os governos militares, de 1964 a 1985. “A ditadura censurou esse direito com muita frequência. A gente pode afirmar que, nesse tempo, a liberdade de expressão foi destruída. Houve outros momentos também, durante o Estado Novo, de Getúlio Vargas, mas, mesmo assim, foi mais respeitado do que de 1964 a 1985. Esse tipo de liberdade foi respeitado na maior parte da nossa história, até mesmo no período da monarquia e na Primeira República”, afirmou.
Entretanto, ele comenta que outros direitos foram ausentes nas constituições passadas, como: implementação de direitos sociais ou universalização do acesso à educação. “Faltavam outros, mas esse direito em especial, era razoavelmente respeitado. Tanto que você encontra várias vozes ao longo desses governos, tendo muita crítica ao governo brasileiro”, aclarou.
Especialista em Direito Civil e professor de Direito na UNIDERP, José Espíndola, comenta que a Constituição de 1988 “teve uma grande preocupação em relação a isso, ao ponto de deixar essa liberdade de expressão em uma de suas cláusulas pétreas, ou seja, não pode ser suprimida, não pode ser mudada, somente com uma nova Assembleia Constituinte”
“Uma coisa que a gente precisa lembrar é que toda liberdade, para continuar sendo liberdade, precisa haver uma responsabilização”
Leonardo Avelino chama a atenção para o equívoco que a maior parte da população brasileira tem em não saber que é responsável por suas opiniões, dizendo que toda liberdade corresponde a uma responsabilidade e que não há liberdade absoluta, pois, assim, “não haverá liberdade para nada”. “É como se eu tivesse um carro. Esse carro chega a 200km/h, mas, você não vai andar nessa velocidade dentro da cidade porque coloca em risco a vida dos outros. Este é o ponto da liberdade”, exemplifica.
Em casos similares ao de Roberto Jefferson, é aí que entra essa responsabilização por opiniões que diferem dos fatos, segundo Avelino Duarte. “Para que a liberdade de expressão seja uma liberdade, ela precisa se circunscrever às opiniões e não aos fatos. Por exemplo: eu não conheço você, nunca te vi na vida. Eu falo ‘você é um assassino, você é um pedófilo’, publicamente. Eu estou te agredindo. Eu não tenho essa liberdade. Não tenho direito aos fatos. Agora, se você foi processado, condenado e julgado, a partir deste momento eu posso falar tudo aquilo de você, porque corresponde aos fatos”, explicou. Ou seja, se houver algum tipo de agressão, arcará com as consequências.

“A liberdade de expressão não te dá o direito de cometer crimes.”
O especialista José Espíndola nega que a liberdade de expressão permita falas degradantes sobre imagem de alguém ou opinião que seja prejudicial à imagem de um indivíduo. Além disso, haverá possibilidade de estar exposto a um processo por parte do ofendido, algo garantido no artigo 5°, incisos IV e V da Constituição. “A liberdade que eu tenho de expor meu pensamento, não me torna inimputável às consequências que isso causa. A constituição cria um mecanismo de guardar e reconhecer a liberdade de pensamento, mas, em casos de mentiras; exageros; incitação de ódio; haverá responsabilização. É muito bem equilibrado”.
Espíndola aponta também para o fato de a Constituição não permitir o anonimato desses discursos que provoquem algum tipo de degradação moral, algo muito comum nas redes sociais, mas garante o direito de resposta e indenizações. O Doutor em Direito Constitucional, Leonardo Avelino, chama esse anonimato de “instrumento comum das ditaduras”.
Fake News e “Menticite”
Espíndola diz que fake news é crime e tem responsabilização. Avelino Duarte vai além ao defender que notícia falsa deve ser tratada como calúnia, difamação ou injúria e usa o termo “menticite” para se referir a perda da capacidade de discernir o que é mentira ou não, causada pela imersão das fake news no cotidiano da população.
“As pessoas estão tomando decisões só com base no que lhes parece certo ou errado. Quem diria que iriam invadir o Capitólio dos EUA? O Trump se negou a aceitar os resultados. É algo criminoso. Só agora as democracias estão descobrindo como combater as fake news. É um desafio muito grande”, enfatizou Leonardo Avelino.



Marco Civil da Internet
Algumas diretrizes estabelecidas pelo Marco Civil da Internet podem ser utilizadas no combate das fake news. Na prática, a Lei N°12.965, de 23 de abril de 2014, funciona como uma espécie de Constituição para o uso da rede mundial de computadores no Brasil, contendo direitos, deveres, garantias e princípios. “O Marco da Internet veio, apesar de atrasado, tentando normatizar esse combate (a fake news). Isso não significa limitar a liberdade. Pelo contrário, significa preservar a capacidade de expressão da sua opinião sem tirar a do outro. Ter liberdade para falar o que quiser, tira do outro a possibilidade de se defender”, reforçou o docente da UFMS.
Confira aqui o link da cronologia Breve História das Constituições do Brasil