Promotor alerta sobre a importância de conscientização em relação ao racismo

O racismo é um dos principais problemas sociais enfrentados atualmente, causando desigualdade e violência. De acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa, o racismo é uma “teoria que defende a superioridade de um grupo sobre outros.”

O Brasil é um país mistificado e de cultura abrangente, mas mesmo assim os casos de preconceito, discriminação social, racismo recreativo e estrutural estão cada vez mais presentes no cotidiano brasileiro. Segundo a revista Exame, no Brasil, 84% da população percebe o racismo, mas apenas 4% se consideram preconceituosos.

O Núcleo de Promoção da Igualdade Étnico-Racial (NUPIER) do Ministério Público Estadual de MS promove a igualdade e a adoção de medidas para prevenir e punir os crimes de racismo. Conversamos com o Dr. Douglas Silva Teixeira, Promotor de Justiça de Campus e Coordenador Adjunto do NUPIER. Ele fala sobre os casos e denúncias de racismo recebidas pelo MP.

Douglas é graduado em Direito, pós-graduado em Prática Penal avançada, Pós-Graduado em Direito Digital e Compliance, MBA Cyber Segurity – Forensics (FIAP), Master em Processo Penal e Garantismo (Girona – Espanha).

Dr. Douglas Silva Teixeira, Promotor de Justiça de Campus e Coordenador Adjunto do NUPIER

Entrevistadora: De que forma o Ministério Público atua no combate ao racismo?

Promotor Douglas Silva Teixeira: A gente precisa partir da premissa que um dos objetivos da Constituição Federal brasileira é promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor ou qualquer outra forma de discriminação. O artigo127 da Constituição prevê as atribuições, e coloca que: “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.” Aqui em Mato Grosso do Sul foi criado o NUPIER, que é o Núcleo de Promoção da Igualdade Étnico-Racial, esse projeto tem como objetivo combater o racismo e formas de discriminações raciais. Fazemos o acompanhamento de políticas públicas, envolvendo por exemplo as cotas raciais, a implementação do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial, o Sinapir, que é instituído pelo Estatuto da Igualdade Racial, e também a implementação da lei que prevê a obrigatoriedade do ensino da história e cultura africana e afro-brasileira, esta que alterou a Lei das Diretrizes Básicas da Educação (LDB). Nós buscamos com isso ter uma interlocução com os movimentos sociais, sejam eles movimentos negros ou dos povos tradicionais.

Entrevistadora: Quais os principais casos que chegam até vocês? 

Promotor Douglas Silva Teixeira: O núcleo ele tem uma atuação muito mais coletiva, ou seja, nos casos individuais eles podem ser tratados de outra maneira. A nossa função, ela é sim receber representações, notícias de crime, qualquer outra situação relativa à violência contra pessoas dos grupos discriminados, e dar a eles o encaminhamento devido. Nós temos atuado em alguns casos, como por exemplo, o caso que envolveu um ato de discriminação no Instituto Federal, aqui no Estado em 2021. Nós atendemos as vítimas e os encaminhamos. Porém, a responsabilização pelo ato, é da promotoria de Direitos Humanos, que é a responsável pela ação penal, e cabe a ela fazer o acompanhamento desses casos criminais.

Entrevistadora: É comum as pessoas denunciarem ou a promotoria que age na denúncia?

Promotor Douglas Silva Teixeira: Existem vários casos que não chegam efetivamente a serem denunciados, o que forma uma cifra que fica submedida. Muitas vítimas deixam de procurar as autoridades por diversos fatores, como medo, vergonha, e até mesmo acharem que não têm necessidade de ser denunciado, o que deixa mais complicado de ter os números exatos de casos, até porque na maioria das vezes acabam prescrevendo.

Entrevistadora: Qual a diferença entre racismo e injúria racial? E como identificar?

Promotor Douglas Silva Teixeira: Enquanto a injúria racial, ela é um crime que atinge a dignidade da vítima, valendo-se de sua identidade, raça, cor, religião, etnia e orientação sexual; o racismo é algo mais complicado, é um crime e está previsto na lei 7.716, e é mais amplo que a injúria, pois ele implica em uma conduta discriminatória dirigida a uma determinada coletividade, impedindo ou obstando seu acesso a serviços, lugares, cargos ou ainda proporcionando desfavoravelmente tratamentos diferenciados. Quando esses fatos chegam, eles não são comunicados de imediato ao Ministério Público, são feitas as denúncias pela ouvidoria, no disk-127 ou diretamente no NUPIER, e até mesmo pelo site do Ministério Público.

O racismo, ele faz parte da nossa cultura, e é difícil reconhecer isso.

Entrevistadora: Em sua opinião, qual o principal desafio da luta antirracista hoje na sociedade? 

Promotor Douglas Silva Teixeira: Um dos desafios da luta antirracista hoje, é em primeiro momento reconhecer o caráter estrutural do racismo, ou seja, ele está enraizado dentro da cultura do nosso país, é algo que quase todas as pessoas, em maior ou menor escala, passam. O racismo, ele faz parte da nossa cultura, e é difícil reconhecer isso. A partir do momento que se reconhece o caráter estrutural do racismo, é possível combate-lo, principalmente, com uma educação voltada para essa luta, o que é chamado de “educação antirracista”, trabalhando em prol de cuidar de brechas estruturais e históricas, de exclusão e desigualdade. O negro quando foi liberto no Brasil, não recebeu nada. Primeiro, ele foi destratado por mais de 300 anos, escravizado, e logo depois quando foi liberto, não foi incluído em nenhum tipo de política, não foi incluído de nenhuma maneira na sociedade da época, pelo contrário, enquanto a gente incentivava que imigrantes de outros países viessem para o Brasil, entregando-lhes terras e títulos, o negro era proibido de ter sua propriedade rural, ressaltando que naquela época a propriedade rural era o motor da subsistência do país, ou seja, tudo era baseado na terra, negar ao negro o acesso à terra era basicamente tratá-lo como subcategoria, e deixá-lo à mercê de outras situações. Então, em minha opinião, o desafio principal é você efetivamente ter essa consciência de que o racismo é estrutural e combater, porque afinal ninguém nasce racista.

Encontro sobre a Temática Étnico-Racial com os alunos do Curso de Formação Policial para Delegados na ACADEPOL – 18/05/2022

Um dos desafios da luta antirracista hoje, é em primeiro momento reconhecer o caráter estrutural do racismo.