Secretaria garante que houve consulta com todos os envolvidos e fase inicial está organizada
Os professores e alunos da Rede Estadual de Ensino reclamam da forma como o Novo Ensino Médio tem sido implantado em Mato Grosso do Sul. Depois de 11 meses de atividades por meio dos Itinerários Formativos, ainda há dúvidas sobre conteúdos, planejamento e forma de avaliação e notas, principalmente, em novas disciplinas, como projeto de vida e empreendedorismo.
“Nós do movimento sindical não fomos ouvidos, cobramos que queríamos participar, não só depois da implementação, mas no momento de pensar as disciplinas do Ensino Médio”, afirma o Secretário de Formação Sindical da Federação dos Trabalhadores em Educação de Mato Grosso do Sul (Fetems) e Coordenador do Fórum de Educação, Onivan de Lima Correia.
Além disso, Onivan afirma que a formação dada pela Secretaria Estadual de Educação (SED) não foi suficiente para que os educadores compreendessem as mudanças e se preparassem para as aulas. A Fetems realiza diversos seminários e tenta auxiliar os professores a se adaptarem nesta fase.
“Faltou sim o trabalho da Secretaria para orientar a coordenação e os professores, para que assim pudessem ter uma implementação de forma mais coerente e que o aluno pudesse ter conhecimento de fato”, explica o Secretário de Formação Sindical.


Por outro lado, o Coordenador de Políticas do Ensino Médio e Educação Profissional da SED, professor Davi de Oliveira Santos, afirma que foram realizadas pesquisas com todos os alunos e professores da rede para que o Novo Ensino Médio fosse implementado em 2022.
A pesquisa foi realizada em outubro de 2021, somente com os alunos, questionando se todas as turmas optavam por iniciar o novo modelo já este ano e quais itinerários formativos gostariam de cursar. A SED afirmou que a resposta foi positiva, mas não informou o percentual exato de aprovação, nem as porcentagens dos itinerários mais escolhidos, pois, segundo eles, as opções foram bem distribuídas, com pouca diferença dos votos.
Onivan de Lima Correia reclama que a forma como o questionário foi aplicado na rede não atende a todos os jovens. Como por exemplo, nos municípios do interior que possuem apenas uma escola e são ofertados dois itinerários, penalizando quem gostaria de outra opção.
“A nossa defesa enquanto movimento sindical é ampliação da carga horária do jovem, para que ele pudesse ter mais disciplinas. Em Mato Grosso do Sul perdemos disciplinas, como literatura, e reduzimos a carga horária de Português, Matemática e outras”, pontua.
Realidade – A realidade descrita pela Fetems é vivenciada pelos professores em todo o Estado, como descreve uma professora da Rede Estadual de Ensino, que ministra aulas há 17 anos e preferiu não se identificar. Ela está frustrada com a implantação do Novo Ensino Médio.
“Minha experiência com o novo ensino médio não foi das melhores. Há mais de uma década estudando e falando dessa reforma e a implantação foi desastrosa. Não havia preparo de nenhuma das partes: gestão, professor, aluno, Secretaria de Educação. A frustração de fazer um planejamento e não conseguir executá-lo é grande”, afirma a educadora.
Para ela, o sistema de notas está confuso, pois, a princípio deveriam ser semestrais, mas no encerramento do bimestre, de forma repentina, a nota passou a ser bimestral e foi um “tumulto” para os professores.
Além disso, a troca de sala para os Itinerários Formativos também é um problema, pois o aluno sai da turma de origem e se encontra com estudantes de diversas salas. De acordo com a professora, “uma quantidade significativa de alunos não entram em nenhuma delas. Ficam nos pátios. Isso leva o aluno que está em sala a pensar que a aula é ‘opcional’”.
“A questão do itinerário como área de aproveitamento carece de uma infraestrutura mais alargada. O estado nos cobra inovação e em troca nos oferece o que?”, conclui a educadora.

Insatisfação – O estado de confusão também ocorre para os alunos, que dizem não estar aproveitando as aulas e aprendendo de forma significativa. A SED informou que, durante a matrícula digital de 2021 para 2022, os estudantes escolheram seu itinerário e cada escola recebeu um relatório dos interesses dos seus alunos específicos, montando assim seu planejamento e quantas turmas seriam necessárias.
Dessa forma, nem todas as opções são oferecidas em cada unidade, mas sim a escolhida pelos alunos daquela região. O modelo permite ainda trocar de itinerário a cada semestre, caso o estudante não se identifique com a área de conhecimento.
“Essa forma como a Secretaria se planejou favoreceu muito as escolas para se organizarem dentro do interesse da comunidade, por isso que ao longo do primeiro semestre não tivemos reclamações dos estudantes na Central falando que estavam cursando o que não queriam”, pontua o coordenador do Ensino Médio da SED..
Mas não é essa a experiência de diversos alunos da Rede. Alunas da escola José Maria Hugo Rodrigues, no bairro Mata do Jacinto, de Campo Grande, relatam que não escolheram seu itinerário e os professores estão perdidos, sem saber o que apresentar aos alunos.
Cursando o itinerário de humanas, Sofia Moreira Lázaro de Oliveira, de 15 anos, afirma que não escolheu na matrícula sua opção e o ensino está pior, pois os professores estão cansados, e ensino “bagunçado” que não conversa com as disciplinas regulares.
“O itinerário é uma bagunça, principalmente por conta da falta de estrutura da escola. Os conteúdos não conversam tanto com os das disciplinas regulares, então não é possível aprofundar algum conhecimento”, expõe.
Sua colega, Gabriela Beatriz dos Santos Oliveira, de 16 anos, também não respondeu a nenhum questionário e cursa o itinerário de Linguagens, pois era o que tinha vaga para ela.
“Está sendo bem confuso, até para os professores. Eles não sabem o que está acontecendo e as matérias são aleatórias. Não foi boa essa mudança, ninguém gostou, diminuíram a carga horária regular e aumentaram as horas do ensino médio para nada, já que no sexto tempo eles passam uma atividade remota que ninguém faz”, explica Gabriela.
“Muitos alunos estão sem nota do primeiro, segundo e terceiro bimestres, e não sabem se é erro do sistema ou do professor. Eles dizem que a ideia é que as matérias conversem entre si, mas está muito confuso, péssimo”, conclui a estudante.
Sobre os itinerários formativos, a Fetems afirma que o projeto do Ensino Médio deveria incentivar o conhecimento dos alunos, visando sua formação educacional e não mercadológica, além de ser mais bem estruturado, com professores que entendem do assunto que deve ser abordado.
A Federação defende a revogação do projeto a nível nacional e objetiva um novo projeto de ensino que seja mais proveitoso para os estudantes, com a elaboração feita em conjunto aos professores.
Já a Secretaria de Educação afirma que não recebeu reclamação por parte dos alunos, pois eles puderam escolher o que cursar, logo, não há insatisfação e que a dificuldade dos professores é esperada, mas que, por intermédio da coordenadoria de formação continuada, foi criado um programa de formação para os professores, com mais de 120 horas de formação inicial com tutores, atividades e certificação.

Toda mudança tem um lado bom
Pedagoga e psicóloga afirma que proposta do modelo de ensino pode ser um impulso à aprendizagem
Com a transição para o Novo Ensino Médio, todos os envolvidos no processo de aprendizagem terão suas rotinas modificadas e terão que se adaptar, principalmente os alunos, de acordo com profissionais de área.
A pedagoga Elisangela de Oliveira Leite Barbosa, de 44 anos, afirma que o professor tem papel central nesse processo de mudança no ensino e que os estudantes terão que ser resilientes frente a novas necessidades, principalmente por passar mais tempo na escola.
Para a psicóloga infantil Flávia Lopes Botelho, de 25 anos, a proposta de escolher o itinerário formativo pode ajudar ou atrapalhar o aprendizado, dependendo da abordagem da escola.
“Na prática é um pouco diferente, mas estamos ainda no começo. Tem colégios que não explicaram para o aluno o que esta mudança impacta na vida dele, então depende de como a escola irá abordar”, afirma Flávia.
Outro ponto destacado pelas profissionais foi com relação ao projeto de vida, uma disciplina que visa oferecer ferramentas para o jovem planejar seu futuro. Nas escolas estaduais, essa discussão é realizada com o estudante desde o ensino fundamental, preparando-o para a escolha do itinerário formativo no ensino médio.
Para a psicóloga, o principal problema é que não é especificado qual profissional deve fazer a orientação vocacional dos alunos. Apesar dessa estrutura vaga, Flávia acredita que é muito importante começar esse aprendizado nessa fase para uma primeira escolha mais assertiva do aluno frente à pressão do futuro profissional cobrada pelos pais e pela sociedade.