Quarto semestre do curso de jornalismo da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), 2022. É onde começa a história deste perfil, que não é feliz, mas conta um pouco sobre alguém que lutou contra uma das doenças mais sofridas que conhecemos, o câncer.
Na aula de texto jornalístico Ill, a professora Inara Souza pediu para que escolhêssemos uma pessoa para escrever seu perfil. Confesso que não vinha ninguém à cabeça. Ninguém parecia ser a pessoa certa para o meu texto.
Mas isso mudou no dia 5 de agosto de 2022. Na verdade, não só a busca por uma história mudou, mas eu mudei, meus amigos mudaram e, com certeza, a vida de uma família mudou.
Era próximo das 13h10 quando eu li no grupo de Whatsapp, “Somos todos Luizinho”, duas palavras que me chocaram. “Meus pêsames”. O grupo foi criado em 21 de agosto de 2019 para termos notícias de nosso amigo de escola Luiz Gustavo Rocha Chaves.
Antes de contar mais sobre ele, vou terminar de explicar o motivo de escolhê-lo para esta matéria.
Eu não acreditei, lendo aquelas palavras, que meu amigo tinha partido aos 18 anos. Depois disso, não tive dúvidas que era sobre ele que eu ia escrever, sobre sua luta, amizade e como há tantos “Luiz” ainda na batalha.
Mesmo que ainda não saiba como colocar tudo no papel e que tenha adiado o máximo possível escrever este texto, vou tentar.
Amizades
Luiz Gustavo Rocha Chaves nasceu no dia 31 de Agosto de 2003, o irmão mais velho de Enrico e Otávio, filho de Andreia Chaves e Luiz Claudio Chaves.
Eu o conheci na Escola Sesi Campo Grande, em 2018, quando fomos estudar o ensino médio. Ele estudava no 1° C, e eu no B. Meu primo, Antônio Daniel Duarte Silva, hoje com 19 anos, estudou na sala de Luiz e acabou nos apresentando.
Tínhamos um grupo chamado “Irmandade”, no qual cada um recebia um número como apelido. Ele era o 05.
“Conheci o Luiz na escola, durante o primeiro ano do ensino médio, porém, acabamos nos aproximando mais depois de começamos a frequentar as mesmas aulas de violão”, conta Antônio.
“Ele era bem estudioso, passava boa parte do dia estudando e revisando materiais. O objetivo dele era entrar em alguma faculdade militar, então estava sempre estudando para isso, mas sempre tinha espaço para ajudar quem precisava, parava tudo para nos atender”, relembra.

É verdade, não importava nada quando pediam a ajuda dele. Principalmente, em matemática e exatas, já que ele sempre gostou muito das matérias que quase todo aluno quer passar bem longe.
Foi assim que ele conheceu, em 2018, outro amigo nosso, que também faz parte da Irmandade, Gustavo Barcellos Silva, de 19 anos.
“Me lembro que uma das primeiras vezes que conversamos foi em uma aula de física, falamos sobre um exercício. Qual era exatamente não me lembro, mas foi aí que começamos a conversar”, Gustavo puxa na memória. “O Luiz sempre foi alegre desde o primeiro dia que o conheci”.

(Foto: Arquivo Pesoal)
“É uai”
Após a perda do filho, em 2022, o pai de Luiz criou o blog “Somos Todos Luizinho”. Não tive coragem de entrevistar a família, mas as palavras do pai, em todos os 12 textos, expressam toda dor e saudade.
“Jovem amigo, gentil, educado, atencioso, bem humorado, brincalhão, bondoso, de coração puro e sem maldades da vida adulta, acanhado mas muito carinhoso e amável com os que conhecia, contudo retraído, (… muito) envergonhado com os que não eram próximos a ele. Temente a Deus e devoto de Nossa Senhora Aparecida. Fã incondicional de Harry Poter, tinha Grifinória como sua casa.”

(Foto: Arquivo Pessoal)
Ele falava “É uai” para tudo. Consigo até lembrar da entonação, da voz, do jeito dele que a gente dava risada de uma situação engraçada e reclamava da escola.
“Foi uma criança muito imperativa. Desengonçado para algumas coisas, mas muito arteiro e levado para a maioria das outras. Cheio de “Quereres”, bordões e trejeitos. “Todo dia, todo dia!” reclamava quando criança por ter que fazer as obrigações de ir à escola, escovar os dentes e tomar banho […] “É uai” em sua adolescência, para manifestar uma concordância, não concordante às vezes, em situações que o deixavam muito vermelho e acanhado e que ele não queria estender o assunto”.
Dedicação
Para quem o conhecia há mais tempo, como Raiane Rodrigues Bernardo Silva, de 19 anos, Luiz se preocupava em deixar as pessoas felizes. Os dois se conheceram em 2011, nas aulas de judô e estudaram juntos no Ensino Fundamental e no Ensino Médio. Raiane lembra que eles sempre iam embora juntos depois das aulas.
“Uma vez, no dia do meu aniversário, fomos ao shopping, na Playlandia. Ele encomendou um bolo surpresa para mim e comoveu todo mundo que estava lá para juntar vários tickets dos brinquedos, para trocar por um boneco de pelúcia do Thor, o qual me deram de presente”.


Hadriel Souza Dias, de 21 anos, também da irmandade, me contou outra história. Talvez não tenha sido um grande acontecimento ou uma festa, mas um pouquinho de como eram nossos dias no Sesi. No jardim do colégio, havia um barranco de grama e ele sempre tentava empurrar um dos meninos. “Um dia o Luiz estava distraído, pensei ‘é agora’, fui empurrá-lo, mas não contava que ele ia me segurar e puxar junto. Resultado, os dois caíram e isso rendeu boas risadas”.
Apesar de todas essas lembranças, Antônio disse uma frase que, infelizmente, é a mais pura verdade. “Confesso que recentemente tem sido difícil puxar alguma lembrança que ele não esteja enfermo… Infelizmente essa doença marcou muito não só a vida dele, mas a de todos que estavam ao redor”.
É uma fase muito triste, essa luta, que às vezes não tem o final que gostaríamos.

(Foto: Arquivo Pessoal)
Papéis trocados
Acredito que em sua doença, ele sempre foi o que deu mais força para todos, mesmo quando estava precisando. Logo quando ele começou o tratamento, fomos duas vezes à casa dele fazer uma oração. Ele era quem nos consolava.
Me dói muito lembrar como essa enfermidade começou. Dor nas costas. Simples assim, ele reclamava de muita dor nas costas, não me recordo exatamente quando, mas falamos para ele ir ao médico várias vezes, e ele foi. Um ortopedista chegou a passar uns exercícios, algum tratamento, não me lembro com precisão.
Até que um dia, estava sentada na sala da minha casa, mexendo no Facebook. Era um domingo à noite. E apareceu um check in da mãe dele no Hospital. Me deu curiosidade e abri os comentários, para uma das pessoas ela respondeu “estamos fazendo exames, a suspeita é de câncer no rim”. Eu corri pro quarto da minha mãe já chorando, mas acreditei que não era verdade até o último minuto.
Na terça-feira daquela semana, ele foi à escola e contou oficialmente para nós que estava com câncer. Choramos, nos abraçamos, mas ele perguntava “você está bem?” para nós, sendo que era ele que devia receber essa questão, era ele que precisava de consolo. Mas ele tentava ser forte o tempo todo.
O diagnóstico, tumor de célula germinativa (TCG).

“Nesses mais de 2 anos, o vi reclamar apenas uma vez de sua situação. Foi em uma das últimas vezes que nos encontramos, devido a dívidas da família e a impossibilidade de ingressar na carreira desejada. Ele estava bem desanimado, mas após uma conversa entre os amigos ele aparentou uma melhora”, conta Antônio.“Não vou dar ênfase nesse encontro, vou sempre me lembrar de todo o tempo que ele ficou lutando contra isso, sem reclamar ou se desanimar muito, o Luiz foi uma pessoa muito forte”.
Gustavo lembra também que, na Pandemia, o contato “físico” com o Luiz ficou ainda mais difícil, sendo possível apenas conversar pelo celular. Apesar disso, ele tentava não deixar transparecer a tristeza.
“Sempre que falava sobre como estava, ele parecia falar tecnicamente e explicando todos os procedimentos, mas sempre queria trocar para assuntos mais descontraídos para ele poder se distrair, sair um pouco do ambiente de hospital e do câncer”, Gustavo explica.
“Sempre que eu perguntava, ele dizia estar bem mesmo que fosse visível que a resposta era outra”, expressa Raiane. Ou ainda falava que era só uma fase, que ia ficar tudo bem, relembra Hadriel.
Tsurus
No blog, o pai de Luiz escreveu um texto que mexeu muito comigo. Começa dizendo sobre como está sofrendo e que escrever o ajuda a externar o que precisa, enquanto a mãe, Andreia, escuta louvores e canções. Uma delas é Uma Vez Mais, de Ivo Pessoa, que também fez uma versão em parceria com uma cantora japonesa.
Cláudio Chaves encontrou nesse clipe uma marca de Luiz. Ele sempre gostou de fazer tsurus – que estavam pendurados no cenário da gravação da música – uma ave sagrada do Japão, que, reza a lenda, pode atender seu desejo, caso faça dois mil origamis.
Luiz os fazia também no hospital. Abaixo do texto do pai, um vídeo dele fazendo os origamis internado, com aquelas “bolinhas” grudadas no peito que medem os batimentos na máquina ao lado da cama.
“A maioria deles [Tsurus] depois de prontos, o Luizinho presenteava as enfermeiras que cuidavam dele, bem como as outras crianças que estavam internadas”, sempre a bondade dele falava mais alto. Acredito que por isso seu médico também foi ao velório, após tantos momentos na luta ao seu lado.

5 de agosto
Não quero escrever “sua luta chegou ao fim”, ou “não está mais entre nós”, porque as duas frases não são verdade. Não para mim e para nossos amigos.
O Luiz sempre vai estar com a gente, sempre irá ser lembrado. Uma foto, um vídeo, uma história quando nosso grupo de amigos estiver reunido, tudo isso nos lembrará ele.
Despedidas
Fico feliz também por Luiz ter se despedido dos pais. Em outro texto do blog, o pai nos descreve seu “último cheiro”. Quando ele era criança, os pais pediam esse “cheiro”, quando a pessoa junta os lábios e inspira forte o ar pelo nariz.
“Na sala da UTI, onde ele se encontrava, horário de vista, estávamos tentando interagir, mas não respondia nada do que falávamos com ele, ainda entubado e sedado. Mas foi a mãe pedir um cheiro, e ele fez de imediato, tal qual fazia quando era criança. Foi a despedida do nosso Guerreiro Luizinho. Após esse fato não conseguimos mais nos falar ou interagir com ele. Era marca registrada dele e foi com esse cheiro que se despediu de nós. Foi a última vez que vi meu filho ainda vivo”.
Futuro
O sonho de Luiz era a carreira militar. Mesmo doente, ele estudava muito, principalmente matemática. Às vezes mostrava uns exercícios muito difíceis e eu ficava admirando sua força de vontade. Em maio, dia 6, no final de semana do dia das mães, ele e a família realizaram uma viagem, como seu pai conta no blog. Ele realizou provas para a admissão na Escola Naval, no Distrito Naval de Ladário (MS).
Ele nunca deixou de seguir seus objetivos e lutar para conquistar sua profissão. A esperança dele no futuro também me conforta, pois significa que Luiz não entregou sua vida sem lutar, sabemos disso.
Acredito que sua família está, aos poucos, conseguindo se apoiar e lembrar de momentos especiais. Nas redes sociais, a mãe sempre posta suas fotos, escreve sobre a falta que Luiz faz e também compartilha publicações de alerta ao câncer infantil, para que mais pessoas possam ser alertadas. O pai escreve no blog, do qual retirei alguns trechos para esse texto. Conta detalhes de como Luiz era quando criança e enquanto lutador pela vida.
Ao final deste perfil, só posso ficar com as últimas frases que Antônio me enviou na entrevista, que expressam nossa saudade. “Escrevo isso com lágrimas nos olhos, sinto muita falta dele, espero que um dia essa dor se amenize”.
