O último filme de Alfonso Cuarón é uma obra que narra a história da infância do diretor através da perspectiva de um par de mulheres que marcaram sua vida: sua mãe e a sua babá Liboria “Libo” Rodriguez. Cuarón nos dá um relato íntimo que consegue gerar uma profunda empatia e reflexão sobre o contraste social, classismo, patriarcado e racismo.

Alfonso Cuarón é o primeiro mexicano a ganhar um Oscar como melhor diretor e considerado um dos melhores cineastas do mundo. Seu filme é uma poesia cinematográfica rica em detalhes, melancolia, drama e emoção. A história se concentra em um personagem que, na vida real, é tratado como secundário ou até irrelevante: Cleo, a babá da família burguesa, descendente do povo Mixteca, um povo pré-hispânico que vivia nas regiões montanhosas de Mixteca, no México.

Essa família para a qual Cleo trabalha, é a típica de classe média em ascensão durante um momento de desenvolvimento ilusório que a América Latina passava, a família “perfeita”, se não fosse pela tensão que a cerca. O pai abandona os filhos e a esposa.
Cuarón utilizou vários signos em sua representação do afastamento por parte do pai, como o Ford Galaxy – um carro considerado de luxo na América Latina dos anos 1970 – que não cabia na garagem e, obviamente, a distância física do provedor da família, trabalhando constantemente. É importante destacar também o fato de Cleo conhecer um jovem rapaz que faz parte de um grupo paramilitar usado pelo governo mexicano como repressão entre as décadas 1960 e 1980 – Los Halcones – que a engravida e a abandona. Cleo é acolhida e protegida por essa família, onde mulheres lutam para sobreviver de uma tragédia. Uma família marcada pelo abandono.
Além disso, é deslumbrante e impossível de notar a perfeição com que o México dos anos 70 é retratado tanto estética, como histórico-socialmente no longa-metragem de Alfonso Cuarón. Uma cena que mexe muito com qualquer pessoa que a veja, é o momento de enfrentamento entre os paramilitares e estudantes de uma das universidades públicas da Cidade do México. Uma cena com gritos, tiros, mortes e desespero.

Essa forma que o diretor conecta o contexto sociopolítico do país, uma época violenta, com o dia a dia de uma família, foi brilhante. É a máxima representação, não somente do México, como da América Latina como um todo, marcada pelas mesmas situações de um tempo agressivo e incerto, o qual tem influencia na cultura e na política até a atualidade.