
Disposta a ajudar, Letícia Polidorio recebe meu convite para entrevista com um sorriso no rosto, sempre com um tom de voz animado e simpatia no olhar. Letícia se autodenomina, uma mulher feminista, negra e gorda, e tem tido papel importante nos movimentos sociais de Campo Grande, defendendo as causas da periferia, seu lugar de origem. Expressando-se também com sua poesia na cidade e junto com as “minas” do Slam, um lugar do qual ela ama pertencer.
Natural do Rio de Janeiro, Letícia foi abandonada pelo pai aos oito meses de vida. Com isso, sua mãe se mudou para Franca, interior de São Paulo, na periferia. Dois anos depois, sua mãe conheceu o pai de criação de Letícia, o homem pelo o qual o tom de suas palavras dizem por si: só há sentimento de amor, acolhimento e gratidão.
Ela usa o sobrenome “Polidorio” como uma forma de homenagear seu Gerson, pai de criação. “Foi o cara que me assumiu. A referência de pai que eu tenho é ele”, diz.
Primogênita de sete irmãos, Letícia sempre teve que ter responsabilidades para ajudar seus pais, que por mais que trabalhassem duro, mesmo assim no fim do mês sempre faltava alguma coisa. Diante dessa dificuldade, Letícia teve que começar a trabalhar muito cedo, com oito anos de idade. Com uma infância difícil e com momentos até de passar necessidade, Letícia não esquece o episódio que seu pai falou para ela dormir, que assim a fome passaria.
A menina, que antes era rotulada como “obesa e pobre”, com o tempo foi se tornando uma mulher consciente de si mesma e se espelhando na garra e determinação de sua mãe, se tornando hoje uma mulher livre, empoderada e que luta pelo o seus ideais e principalmente pelo acolhimento e ajuda para as pessoas periféricas de Campo Grande.
Atualmente, Letícia é voluntária e coordenadora da Central Única das Favelas (CUFA) de Campo Grande, fazendo um trabalho muito sério e primordial na vida das mulheres na periferia. Faz parte também do movimento Slam Camélias, que é uma batalha de poesias em que só mulheres se reúnem para se expressarem por meio da rima.
Considerado seu “queridinho”, o Slam é muito presente na vida de Letícia e nas redes sociais do grupo, ela é considerada a “mãezona de todas”. “O Slam me deu voz, eu me empoderei da mulher que eu sou, da Letícia que eu sou a partir do momento que eu comecei a ir nas batalhas de poesia. O slam me acolheu e acolheu também aos meus filhos”, diz.
O que motiva Letícia a ter tanta garra para continuar ajudando tantas pessoas através da Cufa é a memória de sua mãe, falecida há seis anos. “Eu vejo muito minha mãe nessas mulheres, minha mãe nunca ficou um dia sequer sem trabalhar, sempre buscando o melhor para gente e ela sempre foi muito criticada pela sociedade por ter tido muitos filhos”.
Aos 25 anos, Leticia conheceu o movimento feminista, após a sua primeira separação e seguindo a vida como mãe solo, de seus dois filhos. Um movimento que para ela é importante, principalmente por ser uma mulher negra e gorda e pela desconstrução de vários conceitos e preconceitos. Feminismo que para ela só faz sentido se for um movimento que acolhe todas as minorias. “Precisamos de um feminismo que abrace todas as mulheres reais”.
Letícia, é uma mulher que tem uma relação muito boa com seu corpo e com sua aparência. “Sempre fui muito bem resolvida na minha vida, com a aceitação do meu corpo, do meu cabelo, sempre cacheado e com a cor natural”. Eu sou uma mulher que pesa 150 quilos, não tenho problema nenhum com isso, com esse corpo que é livre e que eu amo”.
A escola e a adolescência não foi nada fácil para Letícia, foi um período muito complicado. Ela sofreu muito com a gordofobia nessa fase da sua vida, foi o preconceito que mais se destacou, principalmente no colégio, amizades e até mesmo na família. Sua lembrança dessa época é sobre as amizades com os meninos. “Hoje com 33 anos, eu sou uma mulher que tem amizades com quatro homens, antes quando eu era jovem eu não tinha nenhuma, nenhum guri queria ser meu amigo, porque eu era gorda”, diz.
Apesar de uma vida muito humilde, com tantos sofrimentos e discriminações, seja pela sua raça, seu corpo e até mesmo por ser muito pobre da periferia, Letícia é uma mulher muito forte, sorridente, que me contou tanta história triste, que quando meu coração apertava ouvindo, logo em seguida ela dizia algo com felicidade e dando risada.
Da poesia falada, que é algo que também é muito presente em sua vida, nasceu sua amizade com a Tatiana, que fala da Leticia de uma forma tão carinhosa e amigável. Descrevendo a amiga como uma pessoa super dedicada, disposta, empenhada a ajudar as pessoas, com o coração sempre aberto para ajudar quem precisa.
Transparente e muito aberta com as pessoas, Leticia, é sempre lembrada com tantos elogios, principalmente com tanto amor e carinho de suas amizades. “A Letícia coloca as pessoas para cima, sempre fala o que vê de bom em você. Uma coisa natural dela, ela não faz isso com segundas intenções,” diz Tatiana.
Uma mulher que carrega tantas cicatrizes, história de muita luta e resistência, que tinha tudo para ser amargurada com a vida, mas, é totalmente ao contrário disso. Letícia é uma grande liderança, com o coração sempre aberto para atender às necessidades das minorias em seu trabalho, ou até mesmo levando a poesia e a rima para acolher e libertar outras mulheres. E, é assim que Letícia vai levando sua vida, independente, livre, feliz e sorridente.