
Cova 312 foi escrito por uma das maiores jornalistas investigativas da atualidade, Daniela Arbex, 48 anos, autora de 4 livros, que soma mais de 20 prêmios nacionais e internacionais ao longo de sua carreira, entre eles 3 prêmios Esso, Troféu Mulher Imprensa na categoria Repórter Investigativa (2020) e Prêmio Jabuti (2014) com seu best-seller Holocausto Brasileiro como o segundo melhor livro-reportagem.
A obra em questão, tendo sua primeira edição publicada em maio de 2015, pela editora Intrínseca, conta com 342 páginas divididas em 19 capítulos abordando a verdadeira história de como as Forças Armadas mataram, por meio da tortura um jovem militante político, Milton Soares, forjaram a causa da morte taxando como suicídio e desapareceram com seu corpo, deixando a família e conhecidos sem ao menos ter o direito de despedida.
Daniela fez um trabalho impecável de reconstituição da vida desse preso político, por meio de depoimentos de seus companheiros e familiares que viveram arduamente a era da ditadura militar no Brasil, até o momento de sua morte e desaparecimento. Milton Soares de Castro, natural de Santa Maria, Rio Grande do Sul, um dos 16 filhos de dona Universina Soares de Castro, sendo 10 deles do pai Marcírio Palmeira de Castro que mais tarde morrera de tifo. Desde a meninice, ele já era envolvido em grupos de conscientização trabalhista, durante boa parte do seu dia a dia vestia o uniforme de pintor que dava cor as escolas que nunca estudou, e ao chegar em casa vestia a camisa de militante, buscando melhores condições de vida para não só para sua família, mas para todos os brasileiros que sentiam na pele a desigualdade social.
A sede de uma melhor realidade fez com que Milton levasse o irmão Edelson Palmeira de Castro para a vida de militante, conhecidos como ‘’traidores da pátria’’ ou por ‘’perigo comunista’’, ambos faziam parte do Movimento Nacional Revolucionário (MNR), onde recebiam missões e deveriam cumpri-las. A próxima tarefa de Milton era o reconhecimento do terreno onde seu grupo de combatentes acamparia, saiu de Porto Alegre com destino a Minas Gerais para iniciar a operação de guerrilha com mais 13 homens com intenção de derrubar o regime militar. Sem êxito para a oposição, os policiais montaram uma operação e cercaram os guerrilheiros de Caparaó, rendendo-os e tornando-os símbolo de força e sucesso.
Os guerrilheiros do Caparaó foram os primeiros presos políticos da Penitenciária de Linhares, local obscuro que foi cenário de tamanhos traumas e torturas de centenas de cidadãos que apenas buscavam seus direitos. Milton foi o único prisioneiro encontrado morto dentro do complexo, em 1967. Na noite do dia 27 de abril, passados 26 dias desde sua prisão, Milton foi acordado por volta das 22h para um segundo interrogatório, que mal sabia seria um encontro decisivo. Ele foi e não voltou mais.
Ao amanhecer, na troca de serviço de guarda, os militares passaram de cela em cela chamando os prisioneiros pelo nome. Ao chegar na de número 30
não houve resposta, entraram e encontraram o corpo de Milton. Sem mais investigações, os guardas concluíram se tratar de suicídio, pela presença de um pedaço de lençol enrolado no pescoço. Desde então, sabe-se lá quem além dos agentes viu o corpo do jovem, que permaneceu desaparecido pelos 35 anos seguintes.
A autora do livro não se contentou com a história fajuta, com várias pontas soltas, contada sobre o suposto suicídio e continuou a investigação, mas foi além, queria encontrar o corpo sumido há mais de três décadas.
Cova 312, quadra L, cemitério de Juiz de Fora – MG, o local mais óbvio possível para encontrar o corpo, pois lá estava ele. Após incansáveis ligações, entrevistas, encontros, e-mails e pesquisas, Arbex ainda não estava satisfeita, buscou saber o que realmente aconteceu naquela noite de abril de 1967, entrou em contato com médicos, conhecidos, guardas, legistas e tudo mais que estava ao seu alcance, foi então que de forma espetacular, assim como todo o desenrolar da trama, a jornalista investigativa conseguiu mudar a perspectiva sobre fatos de um período doloroso do país.
Com diversas inconsistências, falsas assinaturas e informações rasas, ficou mais que comprovado tamanha manipulação em todo laudo e demais documentações que constavam informações sobre o fatídico dia e a morte do jovem em si, a papelada apresentada e divulgada pelos militares foi totalmente montada, ditada, com diversos dados e materiais omitidos e alterados, e quando questionados, alegavam sigilo militar.
Depois de muitas horas de trabalho, Daniela conseguiu provar por a + b o que tanto queria e se empenhou. A causa da morte realmente foi de asfixia por enforcamento, como constava em algumas documentações, porém tal afirmação não pode ser interpretada exclusivamente como suicídio, uma vez que tal associação também depende de fatores terceiros. Concluindo suas descobertas, a jornalista finalmente se encontrou pessoalmente com dois dos irmãos de Milton, que a ajudaram durante toda a caminhada para desdobrar a história do guerrilheiro. Passados anos de angústia, Gessi e Edelson puderam ter paz ao saber o local em que o jovem foi enterrado, ao contrário da mãe que faleceu sem saber onde o filho estava.