Quantas milhares de vezes foram ouvidas as histórias sobre a migração nordestina? Quantos quilômetros foram rodados atrás de um sonho, uma vida mais decente? Quantos destes foram alcançados? O povo nordestino foi o que mais lutou, mais se destacou na historiografia brasileira quando o assunto é migração. As décadas de 1930 e 1940 foram o começo da industrialização e modernização nacional concentrada nas regiões Sudeste e Sul, enquanto que, outros lugares como o interior do nordeste, se encontravam em situação de abandono, extrema pobreza, miséria, fome e seca, ocasionando um fluxo de migração nas décadas seguintes e que segue até a atualidade em busca da tão sonhada vida digna.

  Razões como estas fizeram com que o alagoano Euclides Ferreira dos Santos, nascido em 1937, na cidade de São José da Tapera, abandonasse sua terra natal com o desejo de encontrar condições melhores de vida. Em entrevista para o JORNALISMO UCDB, ele nos conta mais sobre sua passagem pelo país, vivendo em São Paulo, Paraná e por fim, Mato Grosso.

Como foi a infância e adolescência no Alagoas?

Foi grossa a vida lá. Primeiro tropeiro, 4 anos andando de burro na estrada. Depois, 8 anos de carreiro e arriando carro de boi. Fui 6 anos de vaqueiro pegando boi no mato, burro bravo, peão de boi, vaquejada e só coisa pesada. Vivendo em tempo seco, atravessando três estradas por Alagoas, Sergipe e Bahia em busca de qualquer coisa de alimento.

O que aconteceu para o senhor deixar São José da Tapera?

Eu deixei por causa de um cara lá, eu vim me embora para não matar ele. Meu pai e minha mãe faziam muitas coisas erradas, eu me sentia muito envergonhado. Além de que eu vivia da caça lá. Vendia a caça para comprar comida em outra cidade, ficava indo e voltando.

  Em 1964, fui para Perobal, em São Paulo e fiquei até 1965 trabalhando em uma fazenda como cortador e carregador de banana, depois indo para o Paraná e trabalhei em fazenda de café. Eu conheci São João, Santa Eliza, Xambrê, Umuarama, Maringá, Cianorte, Campo do Mourão, Foz do Iguaçu e Campinas do Alagoas. Tudo isso conheci no Paraná.

Como foram feitas as viagens que o senhor fez pelo país?

Eu fui primeiro em um Pau de Arara para São Paulo. Pau de Arara é um caminhão, coberto com uma tela por cima e todo mundo sentado em sacos de sal, era contrabando. De São Paulo para o Paraná foi de trem até Sorocaba e depois Londrina. Para o Mato Grosso foi em caminhão de mudança.

Por que o senhor não quis se manter no Paraná?

 No Paraná, eu me casei. O meu sogro tinha comprado uma fazenda em São José do Rio Claro (Mato Grosso) e a minha esposa queria  que nós fossemos para ajudar ele e os irmãos dela, porque não tinha muita confiança nos irmãos, não eram “pau de cheirar”. Eu cheguei em 1975.

  Quando foi o começo de 1978, o meu sogro faleceu, eles venderam a fazenda, acabou com tudo que tinha, repartiram o dinheiro, deram a parte da minha esposa e eu fiquei calado.

Diziam que eu era um peão qualquer, bicho do mato, que não sabia de nada

Casamento de Euclides com sua esposa, Maria José, em 1974 (arquivo pessoal)

Com o fim da fazenda, o que vocês resolveram fazer para viver no MT?

Eu construí uma casa pra ela com esse dinheiro e até hoje essa casa está de pé. Eu abri 11 alqueire de terra depois que meu sogro morreu. Meu ganha-pão era plantação de arroz e milho, tinha um dinheirinho da venda de milho, além de criação de porco e galinha. Quando não tinha o que fazer, ia para o rio pescar, fiz muito dinheiro naquela época.

O senhor não teve oportunidade de frequentar a escola, mas e os seus filhos?

Eu dei estudo para eles todos. O que tem menos estudo foi o Samuel porque não quis estudar. O Josuel tem segundo grau completo, a Rosineide tem faculdade, a Raquel também, o João e o Gessé estão fazendo faculdade ainda, mas têm segundo grau os dois, é muito sabidos, empresários, estão bem de vida.

Cinco dos seis filhos de Seu Euclides, da esquerda para a direita: Rosineide, Raquel, Josuél, João e Gessé(arquivo pessoal)

Hoje, aos 85 anos, o senhor se sente feliz, acha que valeu a pena ter percorrido o Brasil assim? Se sente realizado?

Eu estou feliz, porque é assim que Deus quis, agradeço a ele por essa vida. Agradeço aos meus filhos que foram 6, estão todos vivos, cada um é dono si, nunca roubaram nem mataram, são inteligentes, trabalhadores. Apesar de não saber ler, a sabedoria dada por Deus me ajudou muito. Eu estou muito feliz.