Há quatro anos, a ciclista Laura Machado, de 27 anos, trocou o ônibus pela bicicleta e viu sua vida mudar de maneira inesperada: de professora de Filosofia para dona do seu próprio negócio, participante de um coletivo que luta pelos direitos cicláveis e ciclo-entregadora.  

O Bici Nos Plano CG é um coletivo de cidadãos ciclistas que atuam pela promoção e inclusão da bicicleta nas políticas públicas de Campo Grande, e foi o coletivo responsável pela ascensão de Laura. Ela ingressou no Bici, em 2018, e desde então, adquiriu tantas experiências que decidiu colocá-las em prática realizando seu projeto pessoal, abrindo o seu próprio negócio de entregas totalmente feitas via bicicleta, o Catita Bike Entregas. 

Você participa de outros projetos? 

Não, o único coletivo que eu participo é o Bici Nos Planos. Nós tínhamos até pensado em criar um coletivo dos coletivos, que uniria todos os coletivos sobre mobilidade urbana aqui de Campo Grande, mas com a pandemia e tudo sendo on-line não saiu do papel.

Na linha do tempo do Bici Nos Planos CG é mostrado que, em 2015, vocês começaram o coletivo com uma campanha nacional. Você sabe dizer como a campanha nacional virou o coletivo? 

Olha eu não estava na época, se reuniram na época o José, a Cintia, o Pedro, a Raquel, a Fabi e mais algumas pessoas para realizar a campanha e, depois da campanha, eles pensaram por que não fazer um coletivo que promova a bicicleta nas políticas públicas de Campo Grande? Para mexer com audiências públicas e tudo mais. E só em 2016 que foi formalizado como coletivo e foi por esse anseio de dar continuidade ao projeto, por existirem tão poucos projetos sobre mobilidade, sustentabilidade e bicicleta aqui no Estado, que quando teve não tinha como não dar continuidade. 

E com isso vocês acabaram se tornando um dos principais projetos ciclistas aqui no Estado, certo? 

Isso, nós somos um dos únicos coletivos de cidadãos ciclistas que atuam pela promoção e inclusão da bicicleta nas políticas públicas. A gente não é um grupo de pedal, nós temos participantes que pedalam, e participantes que não pedalam, mas ajudam em projetos pontuais. Agora conseguimos criar o Bici Nos Planos Dourados, que é algo recente, e conta com cinco pessoas para tocar o coletivo lá. A nossa ideia sempre foi expandir para o Estado todo. 

Então vocês têm vontade de expandir e ajudar o Estado todo? 

No caso, é achar pessoas que querem fazer o coletivo acontecer em outras cidades, porque quem vai atuar na cidade são os participantes da cidade mesmo, claro que nós damos assistência, mas quem vai fazer acontecer são eles. Por exemplo, se alguém lá de Três Lagoas entra em contato porque gostou da nossa pauta, estudou e viu que é isso que quer tocar lá e quer iniciar o projeto, nós damos todo o apoio.

Sendo assim, se alguém se interessa pelo projeto, essa pessoa pode montar um coletivo por meio do projeto de vocês? 

Exatamente! Porque aí a gente pode dar assistência de acordo com as nossas experiências. Como eu sou uma das últimas que entrou no coletivo, já teve muita passagem de pessoas que entraram e saíram, então quem continuou no coletivo tem bagagem o suficiente para ajudar. Aí quem vai atuar, quem vai em audiência, quem planeja ação e vê calendário são as pessoas dessa cidade, mas nós ajudamos a abrir os caminhos. 

Participar do Bici Nos Planos te acarretou muitas experiências?

Eu costumo falar que a minha vida se divide em duas fases: antes e depois do coletivo.

Laura machado

Porque é um laboratório para quem está participando, a gente tem que se desafiar o tempo todo em todas as ações, tem que se desafiar para compreender as leis, para saber nossos direitos e deveres, para estudar sobre a pauta e levar ela o mais embasada possível para uma audiência ou para fazer solicitações para a prefeitura, Agetran (Agência Municipal de Transporte e Trânsito) e os órgãos de trânsitos da cidade. 

Laura durantes as entregas do dia-a-dia do Catita Bike Entregas (acervo pessoal)

Eu consegui uma vez emprego por conta das experiências que ganhei dentro do Bici, e  a gente passa a ver as coisas com outros olhos.

Agora eu sou ciclo-entregadora, idealizadora do Catita Bike Entregas e só foi possível eu realizar esse meu projeto pessoal por conta do coletivo, dos contatos que a gente conhece e dos assuntos que a gente passa a estudar. 

Laura machado

O coletivo é de grande ganho porque a gente vê que a bicicleta não é só um meio de lazer ou só um esporte. Antes de eu comprar uma bicicleta e antes de fazer parte do coletivo, nunca tinha prestado atenção em quem pedala, nem no tiozinho que carrega o caixote e que ele precisa chegar na casa dele e para isso ele pega a ciclovia da Moreninha, mas que lá não tem a ciclovia completa, então na hora de fazer esse tipo de levantamento para saber quantos km tem de ciclovia e quantos faltam para interligar, e a parte de mexer com o poder público, é bem complicado, mas é a única via que a gente tem de tentar transformar Campo Grande e tentar lutar por uma mobilidade urbana mais inclusiva e sustentável. Então, a nossa missão é transformar a nossa cidade em uma cidade ciclável onde tem mais crianças e mulheres pedalando, porque a gente entende que a bicicleta é uma ótica para pensar em sociedade, economia, sustentabilidade, inclusão, educação. 

Como foi abrir o seu próprio projeto através dos conhecimentos que você adquiriu no Bici?

Foi uma coisa que eu nunca imaginei na minha vida, porque com o preconceito e a má educação dos aplicativos com a gente, com as entregas grátis e a exploração, eu pensei: entrega de bike, conheço só eu e mais um menino que faz, como eu vou começar isso? Então eu fui atrás de estudar para abrir um négocio, fui no Instituto Aro Meia Zero que fez um mini curso pra quem quer começar na entrega de bike de maneira independente, ai agora eu comecei a estudar sobre cooperativismo de plataforma, onde os trabalhadores são gestores e atuantes dessa plataforma, sem nenhuma grande empresa coordenando. Eu penso em futuramente colocar mais pessoas para trabalhar junto e transformar isso em uma cooperativa,

mas até lá eu estou trampando com entrega porque eu acredito que é um trabalho de grande impacto social, porque a gente traz um conceito de entrega humanizada e sem exploração. Então, quando você contrata a Catita ou qualquer outro biker mensageiro você sabe que não vai estar explorando ninguém, nem vai estar colocando a vida de alguém em risco e nem alimentando uma roda de exploração, pelo contrário, você vai estar escolhendo um meio de entrega que é zero impacto ambiental, não polui, ajuda a humanizar a cidade e o trânsito. 

laura machado

Está sendo uma experiência muito boa trabalhar nisso porque a gente sempre quer um emprego que desafie a gente, é um dos trabalhos mais desafiadores que eu já tive, depois de ser professora, porque você não sabe se vai voltar para casa vivo, mas o fato de estar na rua e chegar, entregar para a pessoa e ela ficar “Nossa! Você veio de bike” e você contar que roda de 30km a 60 km de bike por dia e as pessoas ficarem desacreditadas e poder falar que é possível, que a carrodependência tem cura é só você querer, é muito positivo!!

Laura em sua pedalada rotineira do dia-a-dia (acervo pessoal)