O professor e missionário católico Dilson Dias cresceu buscando saber sua origem. Nascido na Bahia, ele e a mãe foram separados de seu pai biológico quando possuía dois anos e na adolescência seus irmãos revelaram que não eram filhos do mesmo pai. Com a dúvida, viveu anos nas drogas e na bebida em São Paulo até se converter e se sentir chamado para ser missionário – doando sua vida para anunciar a palavra de Deus. Ele relata que, após um processo de oração e cura, sentiu-se pronto para conversar com a mãe, reencontrando o pai aos 33 anos.
Hoje, com 49 anos, é casado com a missionária Luciene Dias e pai de três filhos. Ele se emociona ao contar sobre as dificuldades enfrentadas na adolescência e as alegrias de reencontrar sua família paterna e conhecer sua história.
O que o senhor sentiu no momento que seu irmão revelou que possuíam pais diferentes?
Foi um sofrimento naquele momento porque eu tinha 14 anos. Cresci no interior de São Paulo e eu me lembro que quando cheguei na capital, em 1986, junto com um dos meus irmãos, o mais velho me viu e ficou muito nervoso e veio pra cima de mim de forma violenta, dizendo que não me queria lá, mas eu não entendi nada. Eu cresci sonhando com aquele momento que iria morar com meus irmãos. Meu irmão chegou e falou assim “o mano não gosta de você porque você não é filho do mesmo pai que nós somos”. Eu senti um vazio. A sensação que eu tenho é que naquele momento se abriu um buraco debaixo de mim, parecia que eu estava caindo. Eu parei de chorar e dei risada. Eu falei “nem ligo”, eu nem sabia que naquele momento estava fazendo uma fuga psicologicamente. Então, foi uma mistura de sentimento, esse buraco, esse vazio e uma tristeza de ter que voltar para o interior, morar novamente com a minha mãe, com meu padrasto. Na época foi muito difícil, né? Mas depois, graças a Deus, superei.
Quando o senhor voltou para o interior, depois de ouvir aquela frase do seu irmão, não perguntou a sua mãe sobre sua história?
Quando eu voltei não tinha coragem de perguntar porque a minha mãe é uma pessoa muito boa e também, vamos dizer assim, de pouca conversa. Ela não dava essa liberdade e eu também não queria desrespeitá-la. Foi muito difícil pra mim, mas eu lutava contra um sentimento de revolta. “Por que que minha mãe não me falou? Por que ela não me contou a verdade?”. Tinha esse sofrimento dentro de mim e eu lutava contra a revolta.
Eu não aceitava me revoltar. Eu sentia mas não consentia. Dentro de mim eu pensava “para ela não ter me falado, tem que ter tido um grande motivo”.
Como foi crescer e passar pela fase da adolescência com esse sentimento?
Então, foi muito nova pra mim a situação, porque eu achava que o meu pai tinha morrido quando eu tinha seis anos, depois de dois anos – eu tinha oito – minha mãe começou a viver com outro homem, que é meu padrasto, e meus irmãos foram crescendo e saindo de casa e eu fui ficando, então tinha essa expectativa de ir morar com eles. Quando eu descobri foi muito triste, era o meu sonho de adolescente e a minha lamentação era “se eu tivesse o meu pai aqui, teria como perguntar um monte de coisa pra ele”, eu tinha dúvida, queria perguntar e não tinha isso né? Então me fez falta nesse sentido. Era um desejo de ter a família, de ter os irmãos, de viver em paz. E foi o que mudou em mim. Eu voltei pra São Paulo com quinze anos e me envolvi com drogas, uma vida desregrada, mas não tinha consciência de que eu estava fazendo isso pra fugir dessa situação.
Quais foram as consequências e os crescimentos que você hoje avalia como resultantes desse momento em sua vida?
Fiquei até os 21 anos todo dia usando droga, bebia muito, fazia tudo que você imaginar, tentando fugir. Eu respeitava as pessoas, mas não cuidava de mim. Olhando hoje eu percebi que cresci. Quando você sofre e tenta olhar o lado da outra pessoa, é uma graça de Deus, eu sempre tentei olhar o porquê meu irmão me expulsou de casa naquele dia, o porquê minha mãe não me contava a verdade. Me fez crescer e compreender as pessoas e procurar entender que, por mais que o nosso sofrimento possa ser grande, não sei se é maior que de outra pessoa ou não. Eu me lembro que um dia participei de um retiro onde tinham vários psicólogos e eles pediram pra gente escrever um relatório da nossa história.
Naquela noite, perguntaram como eu tinha superado tudo aquilo e respondi “eu encontrei Jesus na minha vida. Ele mudou a minha vida.”

Em qual instante o senhor se viu preparado para conversar com sua mãe e como foi descobrir sua história?
Depois de cinco anos como missionário, me senti preparado para conversar com a minha mãe sobre toda aquela situação, porque eu já tinha trabalhado o perdão, a compreensão e eu queria saber a minha história.
Um dia ela pegou um azulejo pintado à mão, que eu cresci vendo, ele é azul com umas flores, escrito “eu te amarei até morrer”, me entregou e falou “seu pai me deu no dia que eu vim embora da Bahia, ele fez pra nós dois e você é o filho do meu grande amor e foi você que me consolou em todos esses anos”.
Ela tinha 14 anos quando o pai dela a entregou para se casar e ela teve quatro filhos. Só que o marido dela foi para uma fazenda tentar a vida e chegou a notícia que ele tinha morrido. Foi quando ela conheceu o meu pai, se apaixonou por ele e eu nasci. Quando eu tinha dois anos, o marido dela voltou, me acolheu, ele entendeu a situação, mas levou a gente pra São Paulo e ela não teve mais contato com ninguém.
Como foi encontrar seu pai e como você se sentiu?
Ele era da Bahia, cidade de Caculé. Liguei para a assistência social de lá, contei a história e a moça falou “pra você encontrar pessoas aqui, você vai ter que colocar um anúncio no jornal da rádio daqui”. Aí eu pensei “vai que eu coloco no jornal, e ele não queria me encontrar, não vou entrar assim de paraquedas, né?” Eu comecei a conversar com ela que me contou que a mãe dela tem uma pensão e eu falei que, segundo minha mãe, a minha madrinha também tinha uma pensão e descobrimos que a mãe dela é minha madrinha e minha avó porque é mãe de criação do meu pai. Eu falei com a minha avó e numa quaresma liguei pro meu pai pela primeira vez. Depois eu peguei um avião, fiz uma viagem pra Bahia, um ônibus e quando eu cheguei na rodoviária ele tava lá me esperando, a gente foi andando assim, parecia que não tinha ninguém na rodoviária. Me deu um abraço, aí me levou na casa dele. Foi muito bom, me levou pra conhecer minha avó, que começou a me mostrar as fotos da minha mãe grávida, foto minha de bebezinho de um ano.
E uma coisa me comoveu bastante, ela morava em frente a estação e ela falou assim “meu filho todos os dias eu e o seu pai nos sentamos aqui às dez da noite, às quatro da tarde, às sete da manhã, que eram os horários do trem, esperando você voltar. A gente sabia que Deus não nos permitiria morrer sem rever você, meu filho. Porque você não sabe o quanto nós te amamos, o quanto a gente sentiu sua falta”.
O que você aprendeu com sua história e qual mensagem que o sofrimento deixou na sua vida?
Me ensinou a ser forte e que eu não tenho que fugir da minha história. Não importa como ela é, é a minha história, faz parte da minha vida. Se ela me fez sofrer, muito ou pouco, é a minha história, eu só sou o que eu sou por causa dela.
Se fosse diferente, hoje eu também seria diferente. E aí eu entendo o que Jesus fez, ele não fugiu da nossa história, ele veio e se tornou homem e assumiu a nossa história humana. Então, não tenho que ter vergonha da minha história, nem medo, nem raiva, nem nada, eu devo agradecer a Deus por tudo que me acontece porque se aconteceu Deus permitiu. Se eu não fechar o meu coração e fugir eu vou tirar frutos disso.
