Francisca Sanchez Carrasco foi uma imigrante espanhola que abandonou sua terra natal para buscar uma vida melhor no Brasil. Sua jornada não é um caso único e especial, ela é só uma dos milhares de imigrantes que vieram ao país buscando uma vida melhor para sua família devido à crise econômica causada pela Guerra Civil Espanhola.

Francisca, conhecida como Paquita, nasceu em Torres de Cochillas, na província de Murcia na Espanha, no dia 9 de junho de 1926. Com 20 anos, ela se casou com Aufonso Reina Lopez e teve quatro filhas: Rosa Reina Sanchez, Ines Reina Snachez, Maria dos Anjos Reina Sanchez e Claúdia Maria Reina Sanchez. Em 1955, devido á crise econômica, Aufonso imigrou para o Brasil, onde ficou trabalhando no estado de São Paulo e passado um ano, em 22 de novembro de 1956, Francisca economizou dinheiro suficiente para vir para a América do Sul junto com sua filhas. Ela faleceu com 68 anos de insuficiência renal crônica, mas deixou muitas lembranças boas para sua família. Sua filha mais velha, Rosa, a acompanhou durante toda sua jornada para a América do Sul e conta sua história.

Francisca com 19 anos

Quem foi Francisca Sanchez Carrasco ? 

A minha mãe era uma pessoa extraordinária, era uma mulher muito bonita, tinha uma cultura relativamente boa para época. Ela foi criada pelos avós, que eram pessoas que tinham posses, por isso pode estudar em colégio de freiras, onde estudou música, bordados finos, que era o que as moças estudavam naquela época. Ela teve uma infância e juventude, do ponto de vista econômico, tranquilo, porém quando tinha 15 anos vivenciou a Guerra Civil Espanhola e isso a marcou demais. Minha mãe era uma pessoa muito alegre, trabalhadora, habilidosa e tinha uma porção de habilidades, era muito hábil com as mãos, então costurava e bordava muito bem. Ela era muito vaidosa, sempre estava muito arrumada, impecável, foi criada para ter uma vida assim e dar continuidade ao oque teve na vida de solteira: contato permanente com a família: a mãe, o casal de irmãos. A família era muito alegre moravam muito próximos e daí ela se casou e teve às três filhas em um período muito curto de tempo. Meu pai (Aufonso Reina Lopez) era um pequeno industrial que tinha um relativo conforto financeiro e na época (1954) teve a derrubada econômica da Espanha por razões ligadas à guerra civil espanhola e, posteriormente, a Segunda Guerra Mundial. Isso influenciou, não só na Espanha, mas na Europa toda. 

No prazo de um ano ela viu a vida dela virar de pernas para o ar e se encontrou em uma situação econômica difícil e meu pai optou por tentar vir para cá. Hoje, como eu já sou uma pessoa idosa, tenho como avaliar o que foi para minha mãe, ela com trinta anos, ter vindo para o Brasil. Ela largou para trás família, raízes, costumes; a situação econômica que era muito importante mudou e isso foi algo que abalou a estrutura emocional dela e a afetou pelo resto da vida, mas sempre foi uma mulher muito lutadora, positiva e confiava no futuro. Minha mãe nos deu uma educação muito aprimorada, para mim e para as minhas irmãs, e sempre nos ensinou a lutar pelo que nós queríamos e sermos boas pessoas Parte da educação moral que ela nos deu hoje eu vejo que foi uma coisa de uma valor infinito, porque fez de nós quatro boas mulheres com muitos princípios: honestidade e lealdade. Isso foi oque ela passou para nós e é o que temos até hoje e conseguimos passar para nossos filhos e nossos netos. 

Francisca Aufonso no Brasil

Porque ela mudou de país?

Meu pai chegou no Brasil e mudou de profissão, ele era industrial na área de construção de caixas de madeira para exportação de frutas, a nossa região lá na Espanha (Murcia) é um ponto importante de produção e exportação de frutas no país, é tradição da região desde o tempo dos árabes. […] Na época as pessoas de negócios que tinham contato com ele faliram, inclusive ele. Eles (os industriais) tinham que pagar os funcionários, não havia energia elétrica várias horas por dia e tudo dependia dessa energia, por conta da dívida que a Espanha estava pagando. […] 

Durante a Guerra Civil Espanhola as tropas alemãs, comandadas por Hitler, foram mandadas para ajudar o exército de Franco na guerra, ele ganhou a guerra e posteriormente, quando a Alemanha entrou na Segunda Guerra Mundial, Hitler cobrou a dívida (por enviar as tropas) em energia elétrica e milhares de quilômetros de linhas de transmissão que enviavam energia da Espanha para a Alemanha. Por conta disso houve o déficit e começou a faltar energia no país, as indústrias tanto as grandes quanto as pequenas foram quebrando e os sindicatos não permitiam que descontassem horas de trabalho, então a produção caiu mais da metade, os funcionários eram pagos integralmente e isso levou os comerciantes à falência. E quando meu pai, que sempre foi um sonhador e uma pessoa de cabeça muito evoluída, percebeu que as coisas estavam indo de mal a pior virou os olhos para América do Sul e falou “Eu vou embora daqui e vou começar minha vida no Brasil”.

Qual era o plano inicial de Aufonso e Francisca?

Em matéria de negócios não havia plano algum, foi bem precipitada. Chegando no Brasil meu pai mudou de profissão porque não tinha campo nessa área (em Tupã) e ele tinha como hobbie na Espanha a criação de abelhas, ele fazia extração de mel. A região (São Paulo) era totalmente de cafeicultura e ele fez contato com a colônia espanhola, as pessoas o convidaram para conhecer os sítios e as chácaras e ele percebeu que havia muitas abelhas e teve a ideia de fazer disso uma profissão. Ele começou a instalar as colmeias nos sítios e prestava assistência técnica, eram duas colheitas de mel por ano e ele fazia todo o processo de extração, limpeza e embalagem.

Rosa Reina e neta.

Foi muito difícil para ela deixar a Espanha?

Foi tão difícil que o emocional dela nunca se recuperou, ela que sempre teve tudo, teve que ir trabalhar dia e noite em uma máquina de costura. Minha mãe era uma modista, então foi trabalhar para fora com costuras e durante um ano ela teve que nos sustentar (o período em que Aufonso estava no Brasil), porque meu pai esteva se estabilizando aqui e não tinha como mandar dinheiro para gente, nós fomos morar em Madri, na casa dos meus avós. Então isso tudo mexeu tanto com o emocional da minha mãe a ponto dela adquirir uma depressão da qual ela nunca conseguiu se livrar. Mas no que se refere ao país em si ela adorava o Brasil, ela fazia roupas novas para o carnaval e o natal, nos levava para todas as festas nacionais, os desfiles. Ela foi uma cidadã brasileira por adoção muito leal com o Brasil e o adorava, mas ficou aquela tristeza por ser arrancada de suas raízes. É como uma planta, se a arrancou da raiz pode plantar em outro lugar, mas não será a mesma coisa.

Qual foram as maiores dificuldades ao chegar no Brasil?

Os primeiros meses foram terríveis para ela, porque não entendia uma palavra, o português. Foi uma mudança tão brutal de hábitos que ela só chorava e ficava muito tempo em crises depressivas na cama, sem sair do quarto. Ela era muito religiosa então se apegou a Deus e à igreja e isso ajudou bastante. A nossa casa ficava no fundo do colégio Dom Bosco então todo dia no final tarde ela ia à missa. O primeiro ano dela foi algo extremamente difícil e penoso, depois ela foi acostumando.

Como ela lidou com o choque de realidade?

Naquele tempo não existia tratamento psiquiátrico e nem terapia então a maneira como ela lidou foi se atirar no trabalho, ela costurava para fora dia e noite, começou lá em Madri, continuou aqui no Brasil e para o resto da vida. Ela costurava vestidos de noiva maravilhosos, roupas de primeira comunhão, de todo tipo de atividade social. Também trabalhou em casa, naquele tempo não havia hábito de ter funcionárias, nós fazíamos os serviços de casa, então ela não parava. […] Em termos gerais a ninha mãe foi uma mulher admirável e deixou lembranças de exemplos e atitudes para todos nós, foi uma pessoa que marcou a vida de todos. […]